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domingo, setembro 18, 2005

“Papillon” reeditado quando a sua autoria é posta em causa

“Papillon”, uma das mais conhecidas obras literárias do mundo e que deu origem a um filme com Dustin Hoffman e Steve McQueen, está envolvido numa grande polémica. A sua autoria, desde sempre atribuída a Henri Charrière, está agora em causa. Uma investigação levada a cabo pela polícia brasileira indica que o verdadeiro Papillon era René Belbenoît, que terá sido o primeiro a conseguir a fuga da Ilha do Diabo liderando um grupo de outros prisioneiros, onde, aí sim, estava Charrière.
Recorde-se que “Papillon” (publicado em Portugal na década de 70 pela Bertrand, que agora reedita a obra), conta a história de um condenado ao degredo na Guiana Francesa, na Ilha do Diabo, por um crime que não cometeu. Após uma primeira fuga, que o levou a passar pela possessão britânica de Trindade, Curaçau e Colômbia, o chamado Papillon foi apanhado e de novo enviado para o degredo. Esteve dois anos na solitária e, mal saiu, tentou de novo fugir, mas sem sucesso. Após mais treze anos de detenção, finalmente conseguiu encetar a fuga definitiva. Estávamos em 1935 e após a publicação das memórias, com pormenores terríveis, dos anos no degredo e das tentativas de fuga, a França decidiu encerrar a temível prisão da Ilha do Diabo.
Charrière, entretanto, encontrara refúgio na Venezuela, onde ainda lançou mais um livro, “Banco”, onde contou o que lhe sucedeu depois de fugir da prisão. Henri Charrière, que até meados de Agosto se pensava ser o verdadeiro Papillon, morreu em 1973.
Passados mais de 30 anos a FENAPEF - Federação Nacional dos Polícias Federais (Brasil) – apresentou, em Agosto passado, provas oficiais de que o verdadeiro Papillon era René Belbenoît. Este era conhecido pela borboleta (papillon, em francês) que tinha tatuado no peito. Todos o tratavam por Papillon, também porque na prisão se entretinha a caçar e vender colecções de borboletas. Belbenoît era um intelectual francês que falava quatro línguas e escrevia de forma compulsiva. Durante os anos em que esteve preso e após a fuga trocou correspondência com a escritora americana Blair Niles, a quem enviou para publicação nos EUA duas obras: “Hell on Trial” e “Dry Guillotine”. Nesta última relatava a fuga que conduziu os presidiários à então Guiana Inglesa e finalmente os radicou em Roraima, no Brasil, a partir de 1940. Belbenoît e Niles acordaram então que um dos fugitivos do grupo, de nome desconhecido, deveria seguir para os EUA e assumir a identidade de René, como medida de segurança para o grupo que ficara na América do Sul. A descoberta deste falso René trouxe uma nova luz às investigações sobre a verdadeira identidade de Papillon. Peritos da Polícia Federal brasileira verificaram que René Belbenoît morreu em Surumú, na Amazónia, em 1978, e não na Califórnia, em 1959, como se supunha.

Como Charrière se
apoderou de “Papillon”


René Belbenoît e Henri Charrière separaram-se em 1943 e reencontraram-se em 1955. Nesta época, Belbenoît recebeu uma proposta de um realizador americano para reescrever “Dry Guillotine” como guião de cinema e relatando a fuga de apenas um prisioneiro. Acabou por escrever uma obra muito extensa e entendeu que a melhor forma de a enviar para os Estados Unidos era através da Venezuela. Entrou então em contacto com Charrière, que trabalhava num porto, para que este reencaminhasse o manuscrito. Só que este acabou por guardar consigo a obra e quando soube da morte do falso René, nos EUA, contratou um jornalista gaulês para fazer uma adaptação para francês que contaria, contudo, com mais um prisioneiro como protagonista. Acabou por lançar o livro “Papillon” em 1969, dizendo que era autobiográfico. Para ter mais credibilidade tatuou uma borboleta no peito. Com base numa mentira nasceu uma das obras mais vendidas no mundo e que agora merece ser lida com outros olhos.

Rui Azeredo

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