O Comércio do Porto

Num período em que deixou de haver papel para a tinta correr, os jornalistas e demais trabalhadores de O COMÉRCIO DO PORTO encontram neste espaço a via para o exterior, por forma a manter viva a alma do jornal mais antigo de Portugal continental. Envie as suas mensagens para comercio151@hotmail.com

domingo, agosto 28, 2005

Entrevista a Dan Franck, escritor francês autor de "Os Filhos"



Entrevista ao escritor francês DAN FRANCK, autor de “Os Filhos” (Edições ASA)

“Os homens têm os mesmos sentimentos
que as mulheres em relação aos filhos”


Rui Azeredo

O escritor francês Dan Franck, galardoado em 1991 com o Prémio Renaudot por “A Separação” regressa ao tema da família, desta vez com “Os Filhos” (Edições ASA, 14,50 euros). É a história, semi-autobiográfica, de um casal de divorciados, cada um com dois filhos, que tenta formar uma “nova” família. Com humor e simplicidade, mas sem deixar de ser consciente e, até, didáctico, Dan Franck construiu um romance bastante actual que é um retrato realista e incisivo da nossa sociedade.


- Lendo o seu romance “Os Filhos” prevalece a ideia que os filhos dominam completamente os pais.
- Não dominam os pais, nesta história têm é um papel, pelo menos, tão importante quanto os dois pais unidos. Tudo se organiza em função dos filhos nesta família reconstituída, o modo de funcionamento entre uns e os outros. Nesta história os pais dão muita atenção aos filhos, optam por lhes dar o papel principal.
- Mas fica a sensação que eles são capazes de dominar a vida dos pais?
- Sem dúvida, mas não em todos os casos.
- Esta situação resulta da sua experiência pessoal?
- Sim, em parte, mas é uma situação que hoje em dia já é clássica, são situações reais.
- Porque acha que os pais se deixam dominar? Por se sentirem culpados de terem fracassado na sua relação conjugal?
- Neste género de casos os pais têm sempre um enorme sentimento de culpa, não só pela separação, mas também por imporem aos seus filhos outras crianças, outras mulheres, outros homens, etc. Este sentimento de culpa leva a que em dada altura deixem as crianças dominar. A minha geração encara os filhos como algo muito importante, não como algo deixado sobre a mesa. São seres vivos que trouxemos ao mundo e que observamos, protegemos e escutamos com atenção. Durante muito tempo pensávamos que esse era um papel exclusivo das mulheres. Isso é completamente errado. Os homens têm as mesmas coisas a dizer, os mesmos sentimentos em relação aos filhos e isso é algo novo desde há cerca de quinze anos.
- Pensa que lei a privilegia as mulheres?
- Durante muito tempo as leis privilegiaram as mulheres porque, quando acontecia uma separação, frequentemente os homens partiam e abandonavam as crianças. Nem sempre, mas frequentemente. Hoje em dia a lei tende a equilibrar mais as coisas, nomeadamente em França onde os homens e as mulheres partilham a guarda dos filhos.
- Não há situações perfeitas, mas o ideal, para si, seria evitar os tribunais e entre os progenitores acordar a educação da criança?
- Sim, evidentemente. Até porque no que respeita aos filhos a partir de uma certa idade é preciso saber ouvi-los, para sermos justos com eles.
- Pensa que a lei defende mais os pais do que os filhos?
- A lei protege os filhos e isso é o melhor. A lei protege as crianças dos abusos dos pais.
- Em “Os Filhos” por vezes os pais pretendem impor uma cumplicidade que não surge naturalmente. Isso é comum?
- Depende da maneira de educar as crianças, de uma forma autoritária ou de uma forma cúmplice, havendo ainda muitos outros modos. Mas há sempre cumplicidade, embora a autoridade também seja necessária. Mas deve haver um sentimento automático para equilibrar estes dois factores.
- É uma missão impossível reunir uma família como a retratada no romance?
-Impossível não, mas é difícil. Já numa família “normal” quando há crianças é difícil, então numa família reconstituída, onde se multiplicam as entradas de pessoas (padrastos, madrastas, meios-irmãos) é muito mais complicado. Quanto mais gente há, mais complicado se torna.
- Esta obra é, em parte, autobiográfica. Os seus filhos leram o romance?
- Uns sim, outros não. Mas antes de o publicar mostrei-lhes as passagens que lhes diziam respeito. Concordam com o que foi escrito, mas geralmente os filhos de escritores não lêem os livros dos pais.
- Porque optou escrever sobre a família?
- Surgiu de uma forma natural. Fui recolhendo notas ao longo dos tempos, depois ordenei-as e deu um romance.
- Nunca pensou em optar por escrever um ensaio/tese sobre o assunto?
- O romance não foi rescrito com o objectivo de ensinar. Não tenho o objectivo de servir de exemplo, apenas que os leitores tenham o prazer da leitura.
- É um tema bastante sério mas foi capaz de o mostrar por vezes com humor, de forma ligeira…
- Esse é o princípio da escrita e do romance. Pode contar de mil maneiras diferentes uma história comum, onde toda a gente se reconhece.
- Como deu início à sua carreira de escritor?
- Sempre escrevi, não sei fazer outra coisa. Comecei e nunca mais parei. Tanto escrevo sobre temas da vida, como a separação, como sobre memórias, de artistas, por exemplo, obras sobre o fascismo…
- Qual é hoje dia a importância da literatura francesa em relação à anglo-saxónica ou mesmo a ibero-americana?
- Está a decrescer, como a língua e a cultura francesa. Não é a língua escolhida pelos governantes, pelos economistas… E isto ocorre porque a França está cada vez menos aberta, generosa e acolhedora. A França no início do século XX era muito mais aberta. Todas as artes modernas nasceram em França: o cubismo, o impressionismo, o surrealismo, o existencialismo.

1 Comments:

  • At 28 agosto, 2005 17:05, Blogger FlashGordon said…

    É bom saber que vocês não desapareceram. Tinha tirado o link do jornal no blog, mas vou acrescentá-lo. Força e boa sorte para todos!
    Um abraço solidário.

     

Enviar um comentário

<< Home