O Comércio do Porto

Num período em que deixou de haver papel para a tinta correr, os jornalistas e demais trabalhadores de O COMÉRCIO DO PORTO encontram neste espaço a via para o exterior, por forma a manter viva a alma do jornal mais antigo de Portugal continental. Envie as suas mensagens para comercio151@hotmail.com

terça-feira, setembro 27, 2005

Sugestão de Leitura: "A Caixa de Fósforos" - Nicholson Baker

Ao riscar de um fósforo

Rui Azeredo

“A Caixa de Fósforos”, de Nicholson Baker, tem uma daquelas capas que não enganam. Ou seja, o prazer que se sente quando se olha para ela é proporcional ao que se sente ao ler este livro sobre as pequenas coisas do dia-a-dia.
É um livro, editado em Portugal pela Quetzal, sobre os pequenos prazeres da vida, aos quais muitas vezes não damos a devida atenção. Sobre isso é melhor atentar nas palavras do autor, Nicholson Baker: “Quero que os meus livros sejam sobre aquelas coisas em que não reparamos mesmo quando estamos a reparar nelas. Aquelas coisas que registamos de passagem, mas nunca ‘emolduramos’ – até que alguém como eu escreve um livro sobre elas. O livro é essa moldura”.
Neste pequeno romance, escrito na primeira pessoa, acompanhamos os pensamentos e actos de Emmet, um editor de manuais de medicina que, já na meia-idade, se levanta diariamente por volta das 4h30, prepara um café e com um fósforo acende a lareira. O acender do fósforo, um único por dia, é o mote para, sentado no sofá, começar a pensar em assuntos que vão da mais pura banalidade à importância da relação com os dois filhos ou a mulher.
O autor consegue abordar estes assuntos, quase sempre de uma forma positiva, sem cair na lamechice, dando-lhes antes uma importância que muitas vezes nós não lhes conseguimos atribuir, talvez por serem tão presentes e simples.
“A Caixa de Fósforos” está escrito de uma forma bastante simples, onde assuntos aparentemente fúteis se transformam em temas fundamentais. O gato da casa, a pata doméstica, a maneira de lavar a louça e o modo de preparar o café revelam-se temas de capital importância para o bem-estar pessoal, tanto como outros relacionados com a educação dos filhos, a relação com a mulher ou até o suicídio. Todos merecem fazer parte do pensamento do dia, logo a seguir ao riscar do fósforo.
De leitura fácil e agradável, mas muito longe de ser literatura “light”, “A Caixa de Fósforos” é um romance muito recomendável tanto pelos temas abordados como por fugir, com sucesso, ao esquema tradicional do contar uma história.

O autor

Nicholson Baker, norte-americano nascido em 1957, já escreveu seis romances para além de “A Caixa de Fósforos”: “The Mezzanine” (1988), “Room Temperature” (1990), “Vox” (Gradiva, 1998), “A Fermata” (Bertrand, 1998), “The Everlasting Story of Nory” (1998) e “Checkpoint: a Novel (2004)”. Escreveu também ensaios como “U and I: a True Story” (1991), um registo da sua obsessão por John Updike, “The Size of Thoughts” (1996) e “Double Fold: Libraries and the Assault on Paper” (2001), ensaio contra a política de destruição de jornais antigos nas bibliotecas americanas.